domingo, janeiro 28, 2007

李振藩 CAPITULO III: Shanghai





A primeira impressão de Shanghai é avassaladora: o céu cor-de-laranja, apocalíptico, é diabólico. Nunca se vê o sol, apenas uma claridade, como se tivéssemos permanentemente os óculos de sol postos. Faz frio. A altura dos edifícios, a fazer lembrar NY, cobre a cidade dum jogo de sombras "chinesas", apenas interrompidas pelos ghettos de casas rasas, de onde ecoa um cheiro a fritos que se entranha na roupa e um sonido constante de entoações estranhas, a fazer lembrar os pregões das nossas feiras. A correria é constante. Bicicletas, motas, taxis, atrelados, da esquerda para a direita, num frenesim idiota e desregrado. Está na moda apitar. Quase estatisticamente posso assegurar que de 2 em 2 segundos se ouve uma buzina. Mas não há gritaria nem insultos quando os carros se entrecruzam na estrada, porque a ordem parece manter-se à custa deste caos de 18 milhões de pessoas. A beleza desta cidade é justamente provocada por esta desordem, que lhe dá uma dinâmica louca e que faz com que às 6 da manhã ainda muita coisa esteja aberta. Para quem tem dinheiro esta é a cidade. Restaurantes de luxo, clubs, lojas das melhores marcas. Para quem não tem também parece ser a cidade, ou pelo menos uma luz de oportunidades - que embora fosca - dá emprego numa cidade que cresce 12% ao ano.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

李振藩 CAPITULO II: 19C

O lugar 19C é lá ao fundo, o lugar 19C é lá ao fundo, o lugar 19C é lá ao fundo...num misto de azambuado pela hora matutina, pela sensação estranha de sair de Portugal e estar a ver tudo isto por uma última vez até ao Natal e pelas despedidas que são sempre constrangedoras, isto é tudo o que o meu cérebro consegue racionalizar. Vejo finalmente o 19C (que mais tarde será afinal 19D, porque uma japonesa me chamou a atenção) e sentei-me. O avião parece uma comitiva japonesa. São tantos que me parecem mais do que alguma vez tinha visto. Talvez o facto de aos meus olhos me parecerem meras repetições clonadas dificulte ainda mais a contagem. Desisto. Parece que os únicos que consigo efectivamente distinguir são os que vão sentados ao meu lado: um casal de meia-idade em paz de espírito. Com um mapa de Portugal na mão rabiscado com caracteres nipónicos, analisam talvez pela quinquagésima vez (impressionante o metodismo com que o fazem) o roteiro que os trouxe estas duas semanas à Península Ibérica. Daquilo que consigo ver, começaram em Barcelona, sempre de autocarro, até chegarem a Lisboa, há 2 ou 3 dias atrás.
Tiro uma caixa de pastilhas do bolso e puxo uma para mim. Sem medo de ser mal interpretado, resolvo oferecer. Com um olhar estranho, não recusam e começam a mastigar. A partir daí sentiram-se na obrigação de retribuir: num misto de palavras, num inglês muito arranhado, e de curiosidade. Primeiro o nome, depois quem sou, o que faço e para onde vou. A minha primeira pergunta é óbvia: o que acharam de Portugal? Foram directos ao assunto: gostámos mais de Espanha! uiiii, aí a coisa azedou. Se há coisa que é muito nossa é o monopólio de dizer mal de Portugal. A conversa prosseguiu, porque ficaram entusiasmados com a ideia de eu estar a ir para a China. Talvez saibam o que me espera e vejam em mim um samurai. Fazem questão de vincar a sua superioridade, perguntando-me que marcas japonesas conheço: Honda, Sony, bla bla bla. Num espasmo de simpatia, o Sr.Tomotaka tira da carteira um cartão pessoal e entrega-mo, cumprindo o ritual das duas mãos e da ligeira vénia.
-If you go to Tokyo call me. I meet you and I show you Tokyo.
-Arigato, retribuo eu em palavras.

5 minutos depois adormeço, porque a diferença horária vai dar cabo de mim mais logo.
O avião aterra.
Sayonara, Mr.Tomotaka.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

李振藩 CAPITULO I

Dei um coice.
Dói um coice no trabalho que gostava. Dói um coice nos amigos. Dei um coice no Eixo Norte-Sul e mais um coice no Yaris. Mandói outro coice bem dado nos amigos. Dei um coice no trânsito da 2ªcircular e um coice nos derbys. Dói este coice na língua portuguesa, na praia da costa e no vinho tinto da casa. Dói tamanho coice na família. Um coice no cozido, nas saídas à noite e nos projectos também dói. Dói um coice no cafézinho ao pôr-do-sol, nos Lusíadas, no Eusébio e nas tascas do Bairro Alto.

Dói um coice. Quem sabe herdói qualquer coisa...