sábado, agosto 01, 2009

Diário de Viagem - terceira semana

31 de Julho, terceira semana.

Gourmet.

Sou maluco por comida. Já o sabia há muito tempo mas nada como uma nova amostra para o reconfirmar. Medicamente falando o diagnóstico não será fácil pela multiplicidade de sintomas mas arrisco-me a entrar em território que não domino e dizer que sou uma forma de hiperactivo gastronómico, um crónico do chocolate, um tetraplégico das jantaradas, um maníaco-depressivo dos cozinhados da mãe e um epiléptico das coisas boas. Depois de mais de dois anos de sofrimento na China - onde cada refeição é para mim um sacrifício e onde cheguei a pensar que estava para sempre curado - voltei na Índia a sentir delírios gastronómicos e a reafirmar a minha convicta loucura. Voltei a pensar em comida mais de vinte vezes por dia, a decidir à hora de almoço o que me apetece comer ao jantar, a perder mais de meia-hora a decidir a que restaurante vou, a dar gorgetas ao cozinheiro e a dormir por quatro euros para poder financiar almoços e jantares a dez. Seja especialidades de Goa, do Rajastão ou de Bengala, seja Tikka, Massala ou Tandoori, demore uma hora a cozinhar ou me custe os olhos da cara, o importante é que seja em quantidade generosa e esteja apurado de tempero.
Andar pelas ruas de Calcutá é um convite explícito a espasmos gastronómicos: as cores do açafrão e da lima pendurada nos carros dos vendedores ambulantes, o basmati a retintar na panela, o cheiro do caril de côco, os bolos a fritar, o naan a sair do forno e o tipo que insistentemente convida a sentar. Na recta final da minha estadia em Calcutá e ainda antes de partir sinto já falta da comida pujante do Rajastão no Peter Cat, das especialidades vegetarianas do Teej, da galinha e da comida sino-indiana do B-B-Q, dos bolos de chocolate do Flurry, do caril do 6 Balligunge Place (onde vim a descobrir que uma das especialidades locais é um peixe que dá pelo nome de Rui e onde sempre que lá vou o viciante gelado de cajú com bolacha é por conta da casa) e do cantinho do Olypub que reconfirma a teoria universal de que quanto mais tasca menos rasca.
Sou maluco por comida. Medicamente falando o diagnóstico não será fácil pela multiplicidade de sintomas mas arrisco-me a entrar em território que não domino e a dizer que não tem cura.

Javadpur University.

Tudo tem um início. A Patrícia apresentou-me virtualmente ao Dr. Freitas Ferraz que me pôs em contacto com o Embaixador de Portugal em Nova Delhi, que me encaminhou para o Mr. Ravi Poddar, que por intermédio do Anup me fez chegar à Obra da Madre Teresa. Simultaneamente, através do ciber-espaço e noutro escadear de contactos informais, cheguei ao contacto com a Sandra (que não conheço nem nunca vi) que me cedeu o contacto da Rita, que por sua vez é amiga de longa data do Anup. Viajar não é mais do que um encruzilhado de surpresas e aqui estou eu em Javadpur University, convidado pela Rita - local de passaporte mas apaixonada por Portugal, onde estudou e viveu - para vir conhecer uma das suas turmas de português e para contribuir com aquilo que a minha experiência lusófona me deixar. Encontrar em Calcutá alunas de português de Portugal foi para mim uma surpresa em toda a linha, e mais surpreendente ainda foi ouvi-las falar de Fado, da Amália e da Marisa, dos Lusíadas que leram em versão traduzida, da saudade e do desenrascanso, da bica, do pastel de nata e da RTP, do Cavaco e do Álvaro Cunhal, com um entusiasmo e um romantismo que contagia, e com a esperança de conhecerem um dia o mesmo país donde há 500 anos saiu o Vasco da Gama. Viajar não é mais do que um entrelaçado de surpresas e aqui estou eu em Javadpur University a saber que se está a trabalhar num projecto para em 2012 se abrir um restaurante português em Calcutá, ao mesmo tempo que em cima da mesa descansa o CD de fados cantado e gravado pelas próprias e que gentilmente me ofereceram.

Viajar não é mais do que um emaranhado de supresas e aqui estou eu a descer as escadas de Javadpur University e a constatar que o Português não é só dos portugueses, é também das turmas de Calcutá e do resto do mundo, das praias de Goa, do nome de Bombaim, do Mr. Ravi e do Anup, lá em baixo do Sri Lanka, dos casinos de Macau, das fortalezas de África e do Cabo da Boa Esperança, dos fiipinos que enterraram o Fernão de Magalhães, das Caraíbas e do Samba do Brasil. É ainda dos “kopos” e dos “hirumanos” no Japão, do pastel de nata na China e dos Sequeira, dos da Silva e dos Fernandes do Industão. E, porque não, de todos aqueles de cuja língua se vê o mar.

Leituras.

Além do recorde pessoal de mais fatias de bolo de chocolate numa semana que foi batido há uns dias, preparo-me também para bater o recorde pessoal de livros lidos em 7 dias: nada mais nada menos que quatro. O tempo disponível e o ambiente propiciam o feito. Tentei aliar a qualidade à quantidade e comprar títulos que façam sentido neste tempo e neste espaço. Comecei com O banqueiro dos pobres, um livro sobre o micro-crédito iniciado pelo Banco Grameen na pessoa de Muhammad Yunus (Prémio Nobel da Paz) e que aqui já ao lado, no Bangladesh, tirou da pobreza milhões de pessoas, lutando contra fortes barreiras culturais e religiosas. Tudo começou com um empréstimo de 22 cêntimos a uma mulher que por conta doutrém produzia cestas de bambú e que com este apoio se tornou micro-empresária. Parte da estória passa-se em Calcutá o que lhe confere uma mística particular mas acima de tudo é um exemplo inspirador que deixa a certeza de que a pobreza pode ser irradicada do planeta, sem recurso à caridade. Assim haja vontade. Seguiu-se o Business Stripped Bare do Richard Branson, fundador da Virgin, e que é uma mistura de auto-biografia com lições de vida e estórias mirambulantes daquele que para mim é o maior gurú do empreendedorismo, que começou a vender CDs aos 19 anos e que aos 60 se prepara para colocar em órbita a primeira nave espacial tripulada. Um magnífico livro, a reler, e que numa altura em que estou desempregado me faz pensar se o passo certo é continuar a trabalhar para encher os bolsos a terceiros que já os têm a transbordar ou se a decisão correcta não seria começar a encher os meus. Nas entrelinhas é também um reafirmar de que viver significa assumir riscos e cometer loucuras porque “the brave may not live forever but the cautious do not live at all”. Há dois dias comecei o Hug your people, um daqueles livros de gestão bem americanos sobre como criar uma equipa vencedora, baseado em técnicas de motivação e inspiração. É um livro de mesa de cabeceira mas em todo o caso ajuda a distinguir um mau dum bom ambiente de trabalho. Agora a meio vai o Inside Al-Qaeda, um livro escrito por um investigador que teve contacto directo com centenas de membros da organização e que neste livro deixa a nú a essência de Bin Laden e todas as tácticas e estratégias desta que é apelidada a Rede Global do Terror. Estando na Índia, entrincheirado entre dois países que albergam células terroristas (Paquistão e Bangladesh) pareceu-me um bom livro para adormecer.

1 comentário:

Anónimo disse...

bons sonhos...
dá uma olhadela no "the end of poverty"-jeffrey sachs estilo BE mas não deixa de ser interessante,