10 de Julho de 2009,
Já com duas horas de atraso começo a ver ao longe Bombaim. Nove horas de vôo num sono mal dormido e a imagem dum aeroporto que nasce do meio duma favela. A imagem não é bonita mas impressiona.
Seguem-se as burocracias demoradas do costume e a consciência de que o primeiro teste está aí fora: apanhar um táxi. Toda a gente que se quer profissionalizar neste mestere das viagens sabe que a gravidade da extorsão varia na direcção directa do grau de desenvolvimento do país e não na proporção inversa do seu grau de espiritualidade. Maslow explicaria bem isto. E eu sabia que ia ser enganado. E pior que isso, levei isso na boa. Acabei por pagar 430 rupias por um veículo supostamente com ar-condicionado, onde toda a refrigeração passava por quatro janelas abertas. Era no final de contas um táxi da era colonial, sem espelhos, onde um Seikh ao volante fazia por criar três filas onde numa estrada evidentemente só cabiam duas. Não paguei pelo serviço mas paguei pela experiência - ao longo do trilho entre o aeroporto e o hotel vi o porquê de Bombaim ter o condão de deprimir e empolgar, deprimir e empolgar, deprimir e empolgar, com esta cadência de segundos: putos a andar nús na rua como se isso fosse cool, favelas que nos circundam, cheiros nauseabundos. Abro o vidro contrário e a locomoção faz entrar os saris de todas as cores das mulheres que tentam fugir da chuva, enquanto saltam e chapinham nas poças onde dormem os restos das iguarias que deram de comer a meia dúzia de famílias na noite anterior.
Uma hora depois chego ao Residency Hotel. Instalo-me num quarto que embora modesto é caro (Bombaim é a cidade mais cara da Índia e não se consegue um hotel por menos de 25EUR/noite) e volto a descer para começar o dia. Falo com o Lawrence, que por detrás do balcão e depois de ver pelo passaporte que sou Português faz questão de demonstrar a sua hospitalidade: “Ahh és Rodrigues? Conheço alguns Rodrigues aqui em Bombaim. Vais achar inacreditável quando fores ao Sul, vais ouvir pessoas a falar português e se puderes assistir a um casamento presta bem atenção às músicas que eles cantam, ainda se canta em português. Quando era pequeno aprendi isso mas já me esqueci”, disse ele. Enquanto saio para comprar um cartão de telemóvel não posso deixar de me congratular com o facto de que por onde quer que passe pela Ásia, não há nenhum ex-país colonial que seja tão bem recebido como nós, os Portugueses - é uma empatia honesta que se gera num segundo e que rapidamente nos permite criar uma intimidade que desculpa desde logo qualquer pergunta que não era suposto acontecer.
Acabo a almoçar no café Mondegar, uma sugestão do Ashwani e onde supostamente o pessoal da Unilever vem mandar abaixo umas cervejas ao final da tarde. A única condição que coloco é que me sugiram qualquer coisa não muito picante e acaba na mesa meia galinha num molho de menta e coentros, com um acompanhamento de cebola e lima e duas cerveja Kingfisher. Curto e grosso, uma das melhores refeições da minha vida. Acabo a conversar com o empregado - na verdade, a ser interrogado pelo empregado - que depois de saber que sou donde sou, faz questão de me perguntar o que faço, donde venho e para onde vou. Depois de passar a chuva e de lhe prometer que regressarei amanhã, faço-me à estrada. Em pouco mais de duas horas, compro um livro e um hit de Bollywood e visito as redondezas do hotel, entre meia dúzia de fotos em que registo esta cidade que parece que parou na era Vitoriana.
São 6h30 da tarde e o telemóvel toca. É o Santosh, local de Bombaim e amigo dos tempos da Unilever em Shanghai, já está lá em baixo. Depois de um abraço sentido seguimos para um táxi que nos levará até à Gateway, passando pelo Hotel Taj Mahal que depois dos ataques do ano passado já parece reconstruído, pela Marine Drive e pelas praias de Bombaim, onde ao pôr do sol se joga à bola, se mendiga, se descansa, até que a última chuva do dia envie toda a gente para casa mais cedo. Eu e o Santosh (Sequeira de apelido), ao sabor de iguarias do sul que comemos com as mãos, pomos a conversa em dia, conversa que se torna partilha pessoal, enquanto ao som da chuva miuda procuramos um taxi ao longo da marginal. Nada se substitui numa viagens destas à benção que é poder sermos guiados pela experiência e mestria dum local, poupam-se dores de cabeça, ganha-se tempo e entra-se em portas que nem o melhor dos guias consegue descobrir.
Esta aventura de 47 dias não podia ter começado melhor. São onze da noite e, ao final do dia em que tive nove horas de vôo num sono mal dormido, já espero ansiosamente pelo dia de amanhã.
sábado, julho 11, 2009
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