13 de Julho de 2009,
Prometi ao Siva que hoje fazia novamente uma visita ao café Mondegar. Já há duas semanas sem trabalhar - continuarei por mais dois meses assim - tomei hoje a consciência de que o tempo passa mas a uma velocidade diferente. A necessidade de se apressar deixa de fazer sentido porque já aqui à frente se passeia todo o tempo do mundo e sem que eu me importe com isso. Sei que hoje é segunda-feira porque fui procurar saber. Podia ser sexta, quarta ou sábado sem que isso interferisse nos meus planos. Hoje é segunda-feira e o telefone toca com o lembrete de que ao meio-dia o Sanjeev passa aqui em baixo para me apanhar. Assim é. Entre o abrir da porta do hotel e o fechar da porta do carro, o calor começa a fazer-se sentir porque já não chove há quase um dia.
No sábado partilhei com ele o meu espanto relativamente ao facto de - e ao contrário do que se vê diariamente em Shanghai - raramente ter visto grandes carros a lavrar as estradas de Bombaim. Acho que ele sentiu na minha inquietação a comparação explícita e a dúvida no poderio do capitalismo democrático indiano e ainda antes do almoço fez questão de passar pelos stands da Porsche, da Rolls Royce, da Range Rover e da Jaguar - que entrou na Índia apenas no mês passado. Para que a dúvida não subsista, sobe a íngreme estrada até Bandra West para me mostrar do lado esquerdo a última extravagância do homem mais rico da Índia, fundador do conglomerado Reliance: a construção da sua nova “casa” que curiosamente não chega a entrar no conceito de mansão - um edifício com talvez 20 andares, onde se incluem 3 de estacionamento, 4 para os luxuosos apartamentos de cada um dos filhos, alguns 3 para um hotel que receberá os futuros convidados, e outros tantos distribuidos entre cinemas, restaurantes, heliporto e mais umas quantas futilidades. De noite, enquanto continuar a construção, albergará também, por entres os tapumes que as protegem das chuvas, duas dúzias de famílias que a esta hora palmilham as ruas de Bombaim em busca de coisa nenhuma.
Segunda-feira (?) foi também o dia de mais um excelente almoço, desta vez no Horse Racing Club, que como o próprio nome indica é onde parte da elite de Bombaim vem gastar uns trocos em apostas de cavalos ao final de semana, hábito que vem dos tempos da governação britânca. Hoje os cavalos descansam e a minha aposta vai para o caril de peixe goês, para a famigerada Kingfisher e para o kulfi. Aposta ganha, a repetir. Depois do almoço seguimos para os jardins suspensos, no topo da cidade, de onde se consegue a panorâmica da cidade e acabamos por descer ao hospital, onde preciso de repetir a dose da cólera e da raiva. Sem lugar para estacionar, o Sanjeev entrega a chave do carro a um puto de rua que descalço e ainda sem idade para conduzir a guarda com a promessa de que em que caso de necessidade o muda de sítio. É a prova derradeira de que nada há a temer nesta cidade. O hospital, um edíficio carcomido pelo tempo e em plena lotação, é apenas mais um reflexo deste caos urbano em que vivem 16 milhões de pessoas em espaço limitado. Por entre macas onde os lençóis ainda conservam sinais de sangue seco pelo mofo, pacotes de soro encostados no corredor e pequenos cubículos semi fechados por cortinas onde famílias esperam pelo diagnóstico do patriarca, encontrei o médico. É um velhote com um ar incompetente e com pouca vontade de trabalhar, que continua a inventar razões para que eu espere por amanhã e que faça a consulta directamente no aeroporto. Embora com todo o tempo do mundo, não pretendo desperdiçá-lo. Decido fazer como me dizem e saio.
Antes de me despedir - a lógica insiste que talvez seja para sempre - do meu amigo Sanjeev, de agradecer a tremenda hospitalidade e de, com pena, regressar ao hotel, contornamos o café Mondegar. Venho agora a saber que este foi um dos cinco locais espalhados pela cidade onde foram cometidos os atentados em Novembro último, por paquistaneses desembarcados nesse mesmo dia junto a Chowpatti Beach e armados de metralhadoras, que acabaram a disparar a sangue frio, com todo o tempo do mundo e mais meio, e em todas as direcções, até que o rasto de sangue que escorreu pelas três escadas da entrada tenha encontrado o seu caminho na sargeta que desemboca junto à banca dos jornais.
Tinha planos para visitar o Taj Hotel para um copo mais à noite mas a chuva teima em não parar e a piscina lá fora não me motiva a sair. Acabo a noite no quarto, a estrear-me nos êxitos de Bollywood e a acabar com os iogurtes que comprei faz já dois dias. Tinha prometido regressar hoje ao Mondegar mas não deu. Talvez suba essas três escadas novamente amanhã.
Prometi ao Siva que hoje fazia novamente uma visita ao café Mondegar. Já há duas semanas sem trabalhar - continuarei por mais dois meses assim - tomei hoje a consciência de que o tempo passa mas a uma velocidade diferente. A necessidade de se apressar deixa de fazer sentido porque já aqui à frente se passeia todo o tempo do mundo e sem que eu me importe com isso. Sei que hoje é segunda-feira porque fui procurar saber. Podia ser sexta, quarta ou sábado sem que isso interferisse nos meus planos. Hoje é segunda-feira e o telefone toca com o lembrete de que ao meio-dia o Sanjeev passa aqui em baixo para me apanhar. Assim é. Entre o abrir da porta do hotel e o fechar da porta do carro, o calor começa a fazer-se sentir porque já não chove há quase um dia.
No sábado partilhei com ele o meu espanto relativamente ao facto de - e ao contrário do que se vê diariamente em Shanghai - raramente ter visto grandes carros a lavrar as estradas de Bombaim. Acho que ele sentiu na minha inquietação a comparação explícita e a dúvida no poderio do capitalismo democrático indiano e ainda antes do almoço fez questão de passar pelos stands da Porsche, da Rolls Royce, da Range Rover e da Jaguar - que entrou na Índia apenas no mês passado. Para que a dúvida não subsista, sobe a íngreme estrada até Bandra West para me mostrar do lado esquerdo a última extravagância do homem mais rico da Índia, fundador do conglomerado Reliance: a construção da sua nova “casa” que curiosamente não chega a entrar no conceito de mansão - um edifício com talvez 20 andares, onde se incluem 3 de estacionamento, 4 para os luxuosos apartamentos de cada um dos filhos, alguns 3 para um hotel que receberá os futuros convidados, e outros tantos distribuidos entre cinemas, restaurantes, heliporto e mais umas quantas futilidades. De noite, enquanto continuar a construção, albergará também, por entres os tapumes que as protegem das chuvas, duas dúzias de famílias que a esta hora palmilham as ruas de Bombaim em busca de coisa nenhuma.
Segunda-feira (?) foi também o dia de mais um excelente almoço, desta vez no Horse Racing Club, que como o próprio nome indica é onde parte da elite de Bombaim vem gastar uns trocos em apostas de cavalos ao final de semana, hábito que vem dos tempos da governação britânca. Hoje os cavalos descansam e a minha aposta vai para o caril de peixe goês, para a famigerada Kingfisher e para o kulfi. Aposta ganha, a repetir. Depois do almoço seguimos para os jardins suspensos, no topo da cidade, de onde se consegue a panorâmica da cidade e acabamos por descer ao hospital, onde preciso de repetir a dose da cólera e da raiva. Sem lugar para estacionar, o Sanjeev entrega a chave do carro a um puto de rua que descalço e ainda sem idade para conduzir a guarda com a promessa de que em que caso de necessidade o muda de sítio. É a prova derradeira de que nada há a temer nesta cidade. O hospital, um edíficio carcomido pelo tempo e em plena lotação, é apenas mais um reflexo deste caos urbano em que vivem 16 milhões de pessoas em espaço limitado. Por entre macas onde os lençóis ainda conservam sinais de sangue seco pelo mofo, pacotes de soro encostados no corredor e pequenos cubículos semi fechados por cortinas onde famílias esperam pelo diagnóstico do patriarca, encontrei o médico. É um velhote com um ar incompetente e com pouca vontade de trabalhar, que continua a inventar razões para que eu espere por amanhã e que faça a consulta directamente no aeroporto. Embora com todo o tempo do mundo, não pretendo desperdiçá-lo. Decido fazer como me dizem e saio.
Antes de me despedir - a lógica insiste que talvez seja para sempre - do meu amigo Sanjeev, de agradecer a tremenda hospitalidade e de, com pena, regressar ao hotel, contornamos o café Mondegar. Venho agora a saber que este foi um dos cinco locais espalhados pela cidade onde foram cometidos os atentados em Novembro último, por paquistaneses desembarcados nesse mesmo dia junto a Chowpatti Beach e armados de metralhadoras, que acabaram a disparar a sangue frio, com todo o tempo do mundo e mais meio, e em todas as direcções, até que o rasto de sangue que escorreu pelas três escadas da entrada tenha encontrado o seu caminho na sargeta que desemboca junto à banca dos jornais.
Tinha planos para visitar o Taj Hotel para um copo mais à noite mas a chuva teima em não parar e a piscina lá fora não me motiva a sair. Acabo a noite no quarto, a estrear-me nos êxitos de Bollywood e a acabar com os iogurtes que comprei faz já dois dias. Tinha prometido regressar hoje ao Mondegar mas não deu. Talvez suba essas três escadas novamente amanhã.
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