12 de Julho de 2009,
“Sir, you promised you'd come back yesterday but you didn't”, disse o Siva, empregado do café Mondegar onde tinha estado no dia em que cheguei, como se as promessas dum freguês fossem para levar a sério. Num gesto de humildade desculpei-me e expliquei-lhe que tinha andado a visitar a cidade com um amigo e que tínhamos acabado por almoçar noutro lado. Acabou por regressar mais duas ou três vezes, entre garfadas de kebab, uma para me perguntar o que achava da ìndia e outra para me sugerir que visitasse a terra onde nasceu - bem no centro do país - e de onde é originário o kamasutra. O saber não ocupa lugar, talvez ainda passe por lá.
A mesa onde me encontrava não tinha sido, na verdade, a mesa onde me tinha sentado quando entrei. Tinha acabado de pedir o almoço quando reparei que na mesa em frente dois locais me observavam enquanto comentavam. Resolvi saudá-los e a típica pergunta surgiu: “De onde és?” A resposta típica surgiu: “Consegues adivinhar?”. “Não me digas que és Indiano?”, “Não!”, “Italiano?”. “Não!”. Resolvi acabar com o diálogo porque como na maioria das vezes, a não ser que dê dicas muito objectivas a resposta certa não surge antes de vigésima vez. “Sou do primeiro país a ter chegado à Índia” disse-lhes eu. A superioridade indiana com que antes me olhavam fez saltar um “Ahh, Portugal!” e nessa mesma altura um deles puxou uma cadeira e com um gesto de mão pediu-me que me sentasse ao lado deles. Eram dois tipos simpáticos, aí dos seus 35 anos, empresários do vidro: “Este copo de onde estás a beber, as garrafas que aqui vês e todo o vidro que aqui têm vem da minha fábrica”, disse um deles. Acabámos a falar das diferenças entre China e Índia (naturalmente acham que a Índia é 30 vezes superior à China), da economia paralela e de política. Estavam com pressa e rapidamente se despediram, gesto que repeti depois de pagar a conta e de prometer ao Siva que amanhã estarei de volta.
Enquanto me dirijo para o porto para apanhar o ferry que me levará à Elephanta Island - ilha onde há 1300 anos atrás se erigiu um dos templos mais importantes da Índia dedicados ao Deus Shiva, e cujo nome foi dado pelos primeiros portugueses que aqui chegaram - ainda houve tempo para ajudar um pedinte e ser convidado para participar como figurante num filme de Bollywood.
O mar está revolto. A viagem de mais de uma hora não foi fácil, feita num cacilheiro que seguramente não era mais seguro do que as primeiras caravelas que aqui chegaram há 500 anos. Aproveitei para fechar os olhos e relaxar, enquanto a família que estava sentada ao meu lado aproveitava para fotografar tudo à sua volta, como se este fosse o mais especial passeio domingueiro. Chegados à ilha, a maré de guias a querer vender os seus serviços inunda o local. Acabo por acordar com um deles um preço justo e seguimos a passos largos para as escadas que nos levam ao cimo do monte. Conta-me que nesta ilha vivem 1600 pessoas, todas elas a subsistir exclusivamente das bugigangas que vendem aos turistas e das visitas guiadas e que aqui só há electricidade 4 horas por dia, proveniente dum gerador. O templo é interessante, especialmente por ter sido esculpido na rocha e pela idade que tem. Não tem seguramente a majestosidade dos templos de Angkor no Cambodja mas tem a proximidade espiritual de termos sido nós a nomeá-lo. Entre fotografias e explicacões, fui interpelado por um africano que vim a saber mais tarde ser moçambicano. Queria fazer um brinde com umas cervejas que trazia num saco de plástico - o nível de álcool no sangue que trazia enferrujava-lhe o português - e só não levou a intenção a bom porto porque alguém o convenceu que isso não seria benvindo num local sagrado e seguramente isso provocou nele o medo de poder vir a ser divinamente castigado. Tirámos umas fotos e prometi que as enviarei mais tarde.
A parte da manhã tinha, no entanto, sido o ponto alto. Dez da manhã e dirijo-me para Banganga Tank, local místico em Bombaim. No cimo dum monte, entre prédios altos e milhares de pessoas que se sentam nas ruas, encontra-se seguramente a favela mais sagrada do mundo. No meio deste bairro, uma piscina gigante ao ar livre, cheia com água das chuvas e circundada por bancadas onde saris e túnicas voltam a ser vestidas depois do banho sagrado . No meio deste tanque, uma haste gigante marca o centro da terra. Segundo reza a lenda, o Deus Ram teria perfurado a Terra dum lado ao outro e uma das pontas da lança teria rasgado Banganga. Em volta da piscina nasce toda a favela, uma mistura de cores e cheiros difícil de descrever. Labirintos mágicos ligam pequenos templos de onde ecoam cânticos e rituais difíceis de compreender. Sou convidado a entrar num deles, onde homens e mulheres de túnicas brancas, nesta ensolarada manhã de Domingo, misturam flores, água e pós num ritual de reza que têm tanto de bonito como de enigmático. Saio em direcção ao cume, onde putos jogam à bola com a mão, entre carros estacionados cheios de amolgadelas. Duas fotografias foram o suficiente para gerar interesse e acabei a marcar penálties e a ensiná-los a dar toques na bola e a reparar nas janelas cheias de velhotes que vieram para ver que circo era aquele que se tinha montado ali. Tempo de despedidas, entro num táxi e em alinhamento sagrado, começa a chuva torrencial.
São 23 horas. Acabo de chegar de mais um jantar com o Santosh e com outro amigo, depois de umas cervejas num Sports bar para fazer as despedidas, já que para eles amanhã é dia de trabalho. Entre o final do noticiário da noite e as conversas dos taxistas que lá em baixo esperam pelo último negócio do dia, apaguei a luz.
“Sir, you promised you'd come back yesterday but you didn't”, disse o Siva, empregado do café Mondegar onde tinha estado no dia em que cheguei, como se as promessas dum freguês fossem para levar a sério. Num gesto de humildade desculpei-me e expliquei-lhe que tinha andado a visitar a cidade com um amigo e que tínhamos acabado por almoçar noutro lado. Acabou por regressar mais duas ou três vezes, entre garfadas de kebab, uma para me perguntar o que achava da ìndia e outra para me sugerir que visitasse a terra onde nasceu - bem no centro do país - e de onde é originário o kamasutra. O saber não ocupa lugar, talvez ainda passe por lá.
A mesa onde me encontrava não tinha sido, na verdade, a mesa onde me tinha sentado quando entrei. Tinha acabado de pedir o almoço quando reparei que na mesa em frente dois locais me observavam enquanto comentavam. Resolvi saudá-los e a típica pergunta surgiu: “De onde és?” A resposta típica surgiu: “Consegues adivinhar?”. “Não me digas que és Indiano?”, “Não!”, “Italiano?”. “Não!”. Resolvi acabar com o diálogo porque como na maioria das vezes, a não ser que dê dicas muito objectivas a resposta certa não surge antes de vigésima vez. “Sou do primeiro país a ter chegado à Índia” disse-lhes eu. A superioridade indiana com que antes me olhavam fez saltar um “Ahh, Portugal!” e nessa mesma altura um deles puxou uma cadeira e com um gesto de mão pediu-me que me sentasse ao lado deles. Eram dois tipos simpáticos, aí dos seus 35 anos, empresários do vidro: “Este copo de onde estás a beber, as garrafas que aqui vês e todo o vidro que aqui têm vem da minha fábrica”, disse um deles. Acabámos a falar das diferenças entre China e Índia (naturalmente acham que a Índia é 30 vezes superior à China), da economia paralela e de política. Estavam com pressa e rapidamente se despediram, gesto que repeti depois de pagar a conta e de prometer ao Siva que amanhã estarei de volta.
Enquanto me dirijo para o porto para apanhar o ferry que me levará à Elephanta Island - ilha onde há 1300 anos atrás se erigiu um dos templos mais importantes da Índia dedicados ao Deus Shiva, e cujo nome foi dado pelos primeiros portugueses que aqui chegaram - ainda houve tempo para ajudar um pedinte e ser convidado para participar como figurante num filme de Bollywood.
O mar está revolto. A viagem de mais de uma hora não foi fácil, feita num cacilheiro que seguramente não era mais seguro do que as primeiras caravelas que aqui chegaram há 500 anos. Aproveitei para fechar os olhos e relaxar, enquanto a família que estava sentada ao meu lado aproveitava para fotografar tudo à sua volta, como se este fosse o mais especial passeio domingueiro. Chegados à ilha, a maré de guias a querer vender os seus serviços inunda o local. Acabo por acordar com um deles um preço justo e seguimos a passos largos para as escadas que nos levam ao cimo do monte. Conta-me que nesta ilha vivem 1600 pessoas, todas elas a subsistir exclusivamente das bugigangas que vendem aos turistas e das visitas guiadas e que aqui só há electricidade 4 horas por dia, proveniente dum gerador. O templo é interessante, especialmente por ter sido esculpido na rocha e pela idade que tem. Não tem seguramente a majestosidade dos templos de Angkor no Cambodja mas tem a proximidade espiritual de termos sido nós a nomeá-lo. Entre fotografias e explicacões, fui interpelado por um africano que vim a saber mais tarde ser moçambicano. Queria fazer um brinde com umas cervejas que trazia num saco de plástico - o nível de álcool no sangue que trazia enferrujava-lhe o português - e só não levou a intenção a bom porto porque alguém o convenceu que isso não seria benvindo num local sagrado e seguramente isso provocou nele o medo de poder vir a ser divinamente castigado. Tirámos umas fotos e prometi que as enviarei mais tarde.
A parte da manhã tinha, no entanto, sido o ponto alto. Dez da manhã e dirijo-me para Banganga Tank, local místico em Bombaim. No cimo dum monte, entre prédios altos e milhares de pessoas que se sentam nas ruas, encontra-se seguramente a favela mais sagrada do mundo. No meio deste bairro, uma piscina gigante ao ar livre, cheia com água das chuvas e circundada por bancadas onde saris e túnicas voltam a ser vestidas depois do banho sagrado . No meio deste tanque, uma haste gigante marca o centro da terra. Segundo reza a lenda, o Deus Ram teria perfurado a Terra dum lado ao outro e uma das pontas da lança teria rasgado Banganga. Em volta da piscina nasce toda a favela, uma mistura de cores e cheiros difícil de descrever. Labirintos mágicos ligam pequenos templos de onde ecoam cânticos e rituais difíceis de compreender. Sou convidado a entrar num deles, onde homens e mulheres de túnicas brancas, nesta ensolarada manhã de Domingo, misturam flores, água e pós num ritual de reza que têm tanto de bonito como de enigmático. Saio em direcção ao cume, onde putos jogam à bola com a mão, entre carros estacionados cheios de amolgadelas. Duas fotografias foram o suficiente para gerar interesse e acabei a marcar penálties e a ensiná-los a dar toques na bola e a reparar nas janelas cheias de velhotes que vieram para ver que circo era aquele que se tinha montado ali. Tempo de despedidas, entro num táxi e em alinhamento sagrado, começa a chuva torrencial.
São 23 horas. Acabo de chegar de mais um jantar com o Santosh e com outro amigo, depois de umas cervejas num Sports bar para fazer as despedidas, já que para eles amanhã é dia de trabalho. Entre o final do noticiário da noite e as conversas dos taxistas que lá em baixo esperam pelo último negócio do dia, apaguei a luz.
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