quinta-feira, julho 16, 2009

Diário de Viagem - dia 6

15 de Julho de 2009,

Embora a primeira noite em Calcutá não tenha sido pacífica - fiquei num hotel que embora sugerido pelo Lonely Planet é talvez a maior espelunca onde já alguma vez estive, com mendigos a pernoitar no hall de entrada junto à minha porta e um quarto com uma ventoinha que faz tanto barulho que não me deixa dormir - vou motivado a caminho de Park Street. Nos meus contactos antes de embarcar nesta aventura tinha conseguido o contacto de um tal de Mr. Ravi Poddar, Cônsul Honorário de Portugal em Calcutá. Até agora não entendo muito bem o interesse de um consulado, ainda que honorário, em Calcutá, já que nenhum português reside aqui, não há interesses portugueses na cidade e raramente alguém lhes bate à porta. Em todo o caso, ao que parece é tradição nas grandes cidades indianas o governo português entrar em contacto com algum empresário local reputado e fazê-lo diplomata. Foi o caso do Mr. Poddar, que de empresário automóvel foi transformado em cônsul. É notório o império que construiu. Em plena Park Street, uma das artérias principais do centro de Calcutá, mandou construir um edifício que apelidou de Ravi Auto House, com 6 andares, que além do stand onde desfilam Mercedes e outras marcas de luxo alberga também os escritórios da sua e de outras empresas, restaurantes e outros estabelecimentos. Fui recebido às 11.30 pelo Anup - o mão direita do Sr. Ravi - que fazia “sala” enquanto o patrão terminava uma reunião. Dez minutos mais tarde fui finalmente recebido pelo magnata que de forma simpática me deu as boas vindas, me contou das suas visitas diplomáticas a Portugal e da recepção que foi feita ao presidente português em Delhi no ano passado, assim como dos poucos vestígios portugueses que remanescem em Calcutá - um curso da língua de Camões na Universidade da cidade e uma rua a que chamaram de Rua da Igreja Portuguesa. Hei-de lá ir. De rompante entra o Gaudam na sala, o director de marketing da empresa, um tipo novo com ar bonacheirão que estudou português durante umas semanas (já se esqueceu de tudo) e que acabou por desistir para pragmaticamente se iniciar no mandarim.

Entre apresentações, despeço-me do Mr. Ravi - fica a promessa de ficarmos em contacto e de num dos próximos fins de semana me levar a uma cidade junto a Calcutá onde haverá um festival religioso hindu - e o Anup e o Gaudam convidam-me para almoçar e levam-me depois disso à Mother House onde será às 3 horas da tarde o briefing aos voluntários. Inacreditável o número de estrangeiros que aguardam no terraço do local de retiro uma oportunidade para se voluntariarem: muitos espanhóis, muitos japoneses e depois um grupo misturado de belgas, irlandeses, ingleses e eu, que já em conversa avançada vamos discutindo quais das opções escolher, que são várias em termos de locais mas que se dividem essencialmente em crianças e idosos. Embora a minha vontade tombasse para a segunda, depois de ver as fotos que vinham na brochura e de me relembrar da estória que me contaram do velhote que tinha morrido nos braços do voluntário enquanto este lhe dava banho, optei por começar pelo aparentemente mais fácil e, caso se proporcione, avancarei para o nível mais avançado na última das 3 semanas que me voluntariarei. Quinta-feira (amanhã) é o único dia de folga semanal pelo que só na sexta-feira começarei a trabalhar. Será certamente duro, pela experiência e certamente para mim pelo facto de o encontro para o pequeno almoço ser todos os dias às 7 da manhã (quem me conhece bem sabe que eu não sou um animal diurno!) e serem depois disso 4 horas de trabalho intensivo até ao meio-dia, com possibilidade de um turno à tarde para quem quiser. São tantas as nacionalidades como as estórias de vida que aqui se reúnem: uma belga de 46 anos que deixou os filhos e o marido em casa para concretizar este que era um sonho de uma vida, um indiano órfão nascido em Calcutá, criado durante os primeiros 8 meses pelas freiras desta casa e depois adoptado por um casal de belgas e que faz deste o seu primeiro regresso a casa depois de mais de 30 anos, um inglês que anda pela Índia durante 5 meses, eu que me despedi para vir fazer isto, um irlandês que junto com a mulher tiraram um mês de férias para vir conhecer Calcutá. No final de contas um punhado de malucos.

Acabámos o dia a beber cervejas no terraço do hotel, antes de seguir para um jantar rápido com o indiano, a sua namorada belga e com a maluca que deixou o marido e os filhos em casa para concretizar este sonho de uma vida. Há quem assegure que nada nesta vida é impossível. Á volta desta mesa não há seguramente quem rebata essa afirmação.

1 comentário:

Anónimo disse...

Devias começar a pensar em escrever um livro....
mas PF não com fundo negro ;)

Boas maluquices, algo me diz que te deixarão mais 'insano'.
E ainda bem...
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